terça-feira, 29 de maio de 2012

As várias faces da jornada do herói [Paula Pinheiro] #3


Mestre do terror: não é a toa que Alfred Hitchcock ganhou esse título. Sem apelar para figuras monstruosas e efeitos especiais exagerados, o diretor constrói o suspense e a tensão em Um corpo que cai com base em dois elementos simples: a trilha sonora penetrante e o estado psicológico de seu personagem principal, John "Scotty" Ferguson. O espectador que pretende assistir a Um corpo que cai não tem que se preparar para sustos esporádicos, mas para 128 minutos de músculos tensionados – e para uma narrativa ligeiramente fora dos padrões.



É possível identificar no filme momentos-chave da Jornada do Herói – o Chamado à Aventura, assim como a Recusa do Herói, está evidente na cena em que Gavin pede a John que investigue sua esposa Madeleine e John inicialmente nega -, mas Hitchcock se afasta do modelo de Campbell ao desenvolver sua história. O filme não acaba no ponto em que se espera que ele acabe – com a trágica morte de Madeleine -, mas continua por mais uma hora, tempo durante o qual a narrativa se complexifica com reviravolta após reviravolta. Nos estágios da Jornada, a meu ver, a morte de Madeleine representa um recomeço, um novo chamado à aventura.

Percebi essa continuidade de chamados e essa construção da narrativa em cima não de uma jornada, mas de vários pequenos ciclos, também no filme de Chaplin, Luzes da Ribalta. Como ambos os filmes foram feitos na década de 1950, suponho que esse aspecto esteja relacionado ao estilo da época, mas a forma como Hitchcock se utiliza disso é, em minha opinião, brilhante e totalmente adequada à Jornada do Herói. Madeleine morre porque Scotty não consegue superar sua acrofobia (seu conflito interno), simbologia para sua culpa e sua dificuldade de enfrentar a realidade. Assim, é um herói mal sucedido em sua jornada e o chamado se repete até que ele o aceite e consiga superar sua imperfeição. Contudo, graças ao final, não temos certeza se o sucesso de Scotty é duradouro ou se ele é abalado pela morte de Judy.



Esse foi o primeiro filme de Hitchcock que assisti, e fiquei tão fascinada com seu trabalho que decidi dedicar essa postagem inteiramente a ele (deixando O Chamado para ser abordado no relatório final). O fato de a narrativa ser construída com foco no personagem, e o terror ter se desenvolvido por meio do fator psicológico, já serviu para me deixar interessada na obra do diretor, e o final – que me fez começar a rir de tão brilhante – criou em mim uma admiração enorme por Hitchcock.

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