segunda-feira, 11 de junho de 2012

Nuberu Bagu - Piração cinematográfica e fragmentação narrativa [Johnatan Ferreira] #4



Seijun Suzuki é um gênio.  É simplesmente absurdo o que ele consegue fazer nas suas paródias de filmes da yakusa e dos longas de ação hollywoodianos. As influências americanas aqui são fortes, mas a ousadia formal que o diretor imprime é algo incrivelmente excessivo e declaradamente insensato. Suzuki soa delirante, divertido, arrebatador e intenso. As noções de espaço, trama e lugares se reorganizam a todo o momento, não restando quase nada no final, somente uma narrativa extremamente fragmentada e estilhaços de personagens que vagueiam incertos, em pleno contato com  as vísceras de sua natureza violenta num mundo igualmente selvagem e sujo.

Suzuki não quer se alongar em incisivas discussões politicas, muito menos se embrenhar nos discursos intelectuais de um Yoshishige Yoshida. Ele valoriza o entretenimento, e quer a diversão acima de tudo, como ressalta Lucia Nagib em “Em Torno da Nouvelle Vague Japonesa”1. Mas esses filmes que prezam pelo absurdo e o humor negro refletem de uma forma ou de outra o meio ao qual estão sendo retratados. “Portal da Carne ” (Nikutai no mon, 1964) , meu filme favorito do diretor, oferece uma visão caótica da sociedade japonesa ainda abalada pelo pós-guerra. Adotando um grupo de prostitutas como protagonistas, o diretor lança mão de pirações e maluquices visuais para falar dessas marginais, sujas assim como o lugar que moram e o país que as acolhem. 
A Marca do Assassino

Nesse jogo libertário, em que Seijun abusa de uma inventividade estética incrível para compor seus planos, quadros e artifícios de sombra e luz na mais pura lisergia nouvelle vagueana, há uma articulação dos elementos em jogo também para compor obras mais sóbrias e austeras, que mesmo com experimentações formalistas, não deixam de ser pinceladas jovialmente energéticas como  “A elegia da luta” (Kenka erejii, 1966) e traçadas mais brutais e desesperançosas como a “História de uma prostituta” (Shunpu den, 1965).


Mas se com “Tóquio violenta” (Tokyo nagaremono, 1966)  Suzuki explora a tonalidade das cores construindo delírios visuais belíssimos e inspirados numa trama sobre a máfia japonesa, em “ A Marca do Assassino” (Koroshi no rakiun,1967) o diretor extrapola. Dobrando convenções a ponto de rompê-las. Mais do que a narrativa extremamente fragmentada e confusa, Suzuki usa bizarrices enormes em termos de enquadramento e composição de planos para dar voz a um filme alucinante. Tão genial, mas bastante incompreendido pelos donos do estúdio que demitiram o diretor logo depois por alegarem que seus filmes “não faziam sentido nem faziam dinheiro”[2].


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¹  NAGIB, Lúcia. Em torno da Nouvelle Vague Japonesa. São Paulo, Ed. Unicamp, 1993. 
[2]  idem

Um comentário:

  1. Oi, Johnatan!

    Excelente post! Sei que, no limite de caracteres do blog, não há como aprofundar alguns pontos, mas gostaria de vê-lo desenvolver mais essa fala dos patrões de que os filmes “não faziam sentido nem faziam dinheiro", ou seja, sobre essa influência comercial no movimento.

    Um abraço!

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